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uma história muda tudo. inclusive seu corpo.

Outro dia falaremos mais a fundo sobre como as histórias mexem seus músculos e conduzem seus hormônios. Hoje te contar a história de uma história que mudou completamente a relação com o meu corpo. Uma história que me contaram, que contam para todas nós, e que pode estar mudando a sua relação com o seu corpo também. Vou te contar essa história não para chover no molhado do seu desânimo, pelo contrário. Eu quero te mostrar como uma história tem poder, para assim te motivar a buscar poder através da escrita e da criação. Preparada?

Lá em 2017 eu estava bem sedentária e sempre que eu pensava em voltar a fazer exercícios, eu me contava essa história doida de que “eu sou assim mesmo, não gosto de me mexer, só quero ficar aqui quietinha mesmo, vá, me deixe em paz”. Calma, essa ainda não é “a” história. Ela já já vai chegar. Primeiro preciso te contar como eu estava sem quase mexer o corpo até o dia em que, no meu processo de renascimento depois da maior crise da vida, eu resolvi ouvir com atenção essa entre outras histórias que eu me contava, a gente faz isso, né? De não ouvir as próprias histórias.

Se tem uma coisa que essa crise me ensinou foi a me ouvir com atenção, não só ouvir e jogar pro lado, ouvir mesmo, cada palavra, como quando alguém que a gente ama está tentando dizer o que sente, mas ainda não descobriu como, sabe? A gente apura o ouvido tentando encontrar palavra dentro da palavra, uma brotando da outra, as amostradas e as escondidas, tudo pra não deixar sozinho o amor da gente. Mas a gente se deixa sozinha, ô se deixa. É um caminho todo pra aprender a se acompanhar.


Pois bem. Eu andava me dizendo, já há algum tempo, que não gostava de me mexer, “nunca gostei”, completava batendo na mesa com as palavras. Nunca gostei? Como assim? Foi só eu parar pra me ouvir e responder foi inevitável, imagina? E todos aqueles anos fazendo jazz e kung fu e dança contemporânea, ninguém obriga ninguém a fazer dança contemporânea, minha filha, então o que essas vontades todas foram buscar? O prazer de estar viva, eu respondi e a frase caiu em cima de tudo. Eu queria me sentir incorporada, viva, viva, viva, meu Deus, como assim eu fiquei esses anos todos me contando a história de que eu não gosto de me mexer? Como que a gente passa tanto tempo se contando uma história assim? E por quê?

O porquê não chegou rápido, mas chegou. Veio a pé, sim, mas veio e eu entendi. Foi em 2018 ou 2019. Eu voltei a ir atrás da minha vontade de estar com o corpo em movimento. Resolvi fazer dança, pra não ter erro – eu amo dançar. Escolhi alguns lugares para fazer aulas experimentais e em uma delas vivi uma situação dolorosa e exemplar. Eu dancei me incorporei vivi vivi vivi e ao final da aula o professor me disse: “continua assim e você emagrece rapidinho”.

Nessas horas eu sempre lembro da criança que com todo cuidado e sorriso desenha na parede sua arte, chama orgulhosa alguém para ver e a pessoa fala “que sujeira é essa” e a criança não entende, como poderia? Você já foi essa criança? Parada diante do seu tesouro sem entender por que ninguém mais vê? Eu já. Mil vezes. Mil vezes deixei a minha criança sozinha como nesse dia da aula. Não acompanhei minha criança nessa aula de dança e meu coração

partiu e eu nem entendi, na hora. Fui pra casa, não voltei lá, não fui às outras aulas de outras escolas de dança, não até perceber o que tinha acontecido ali, o que já tinha acontecido em tantas outras tentativas de voltar a abraçar minha vontade de viver o meu corpo furiosamente. Era sempre assim, eu me mexia e vinha alguém “continua assim e você emagrece rapidinho”. Eu, gorda, me mexia, e vinha alguém contar sua história com o meu corpo.

Isso de as pessoas darem os significados delas para os meus gestos ainda me incomoda, te incomoda? Você sente a violência? Hoje em dia consigo separar, mas naquela época minha noção de "eu" estava costurada com as histórias que as pessoas contavam sobre elas mesmas através de mim, sabe? Tudo isso me angustiava a ponto de me fazer questionar o que eu estava fazendo da vida. Eu não queria viver a vida da pessoa sempre atrás de emagrecer, então era melhor não agir como uma pessoa assim e ficar indo atrás de movimentar o corpo, eu pensava – eu era tomada pelo significado que davam ao meu corpo e, assim, me perdia de tudo o que ele podia ser. É isso o que quero dizer quando te invoco a tomar o seu corpo para você: a gente precisa ir atrás de viver o nosso corpo pra além dos significados que dão pra ele, para além das histórias que contam sobre ele e com ele.

Uma história mudou tudo, percebe? Nessa situação, foi a história que alguém contou sobre o meu corpo. Mudou tudo e não foi por pouco tempo, porque eu acreditei nessa história. Inventei outra pra não lidar com o incômodo que ela me provocava: disse que não gostava de me mexer, "nunca gostei". Fiz isso porque não via saída da angústia em que me metia toda vez que alguém falava “se continuar assim, você emagrece rapidinho”. Mas uma história muda tudo, né? Inclusive outra história: por isso escrevi o Meu corpo ainda quente. Por isso te convido a escrever e a criar, também.

Imagina, por um segundo, que você celebra o seu corpo por tudo o que vocês já criaram juntos, ao invés de julgá-lo por não ser o que esperam dele (não estou falando só de forma física aqui, tá? Pensa também em tudo que te exigem e você acaba se exigindo também: performance, produtividade, previsibilidade). Imaginou? Percebeu a diferença no corpo? Me escreve no direct pra me dizer como você se sentiu ❤️



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