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Feitiço para invocar sua própria Voz

A água nunca perdoou minha falta de jeito para estar incorporada, por isso aprendi a nadar apenas semanas antes de fazer 30. Junto aprendi que a gente dá o nosso melhor quando tem foco e relaxa, quando aprende a ser água, e não se debatendo com todas as forças.


Também não dá para se debater com todas as forças quando um Vazio se apresenta: agitado, ele é angústia, inquietação, pressão interna para fazer qualquer coisa que resolva essa angústia e essa inquietação. É o nosso debater-se com todas as forças para se livrar desses sentimentos que agita as águas do Vazio, que cria a inquietação de que tentamos nos livrar.


Se tivermos foco e relaxarmos, é nesse Vazio Silencioso que (re)encontraremos a nossa Voz.


Precisei aprender a nadar no vazio, no silêncio que a gente preenche com TV baixinho, “só pra ter alguma coisa no fundo”, nas séries repetidas, nos relacionamentos repetidos, no nervoso que dá quando a internet cai no meio de um episódio, não só porque a internet caiu ou porque a gente quer saber o que vai acontecer, mas porque sem a série tocando quem vai nos impedir de ouvir a irritação, a inquietação, essa TV ligada no fundo do nosso corpo, esse desespero familiar?



Carta 9 de copas do Nosotras Tarot.


Cada um de nós tem um roteiro de preenchimento dos espaços vazios, dos silêncios. Seguimos à risca, como a um protocolo de sobrevivência. Mas são vícios. São ciclos viciosos. Sustentados por histórias que a gente conta sobre a gente. Sustentando uma existência repetitiva, sem espaço para a originalidade, para o frescor, para a Voz. São como maldições.


Quais são os seus ciclos viciosos, os seus vícios? O que te distrai? O que te entorpece? O que te mantém a salvo de habitar seu próprio Mistério? De ouvir a sua própria Voz?


Tem um post-it no meu monitor que diz: todo chamado para um ciclo vicioso é na verdade um chamado para o silêncio. Está inquieta? Nervosa? É fome de silêncio. Precisa fazer algo urgentemente, ou vai desaparecer? É sede de silêncio. Ou é isso, ou você sente que vai morrer? Experimente uma pílula de silêncio.


- Mais fácil falar do que fazer.

- Pera, vou te contar como eu fiz.


Experimentar o silêncio quer dizer não se debater nele, ou seja, relaxar. Comece pelo corpo. Deite em seu corpo como se pela primeira vez em semanas deitasse em sua própria cama. Não lute contra, se renda. Deite nos braços do seu próprio corpo. Respirar ajuda. Toda vez que soltar o ar, solte-se no seu corpo, deixe ele cuidar disso para você.


Nadando também aprendi que a gente só chega ao nosso corpo quando está relaxada, todo o resto do tempo a gente está flutuando em torno dele, como uma névoa, uma fita amarrada no guidão de uma bicicleta em movimento. Esse exercício vai te ajudar a chegar ao seu corpo. E ele saberá o que fazer.


Quando a gente aprende a não se entorpecer ou distrair, aos poucos o Silêncio vira a nossa Casa. A Voz está logo ao fundo, sentada. Quando encontrei a minha pela primeira vez, ela disse: “oi Sheyla”, eu levei um susto, achei que aquele lugar estava vazio, mas não, só se perdeu no meio de outras vozes, escondido, “estava esperando você chegar”.


A gente acha que tem que ir atrás da nossa Voz, inventá-la. Mas a gente precisa mesmo é invocar o silêncio, recebê-lo em nosso corpo, e a Voz estará lá, como sempre esteve, como sempre estará.


Beijos


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